A LEI DO VERÃO
Apenas uma linha entre a capital
e a cidade onde eu nasci.
A estrada na planície
entre as praias e o grande nada.
O vento frio, sobre a noite, faz
parar o tempo. E o tempo
vomita febre sobre o campo:
devagar, esse aspecto de presença
retira-se do instante.
Estudo para uma chave
Dentro do cubículo de metal,
na calçada e perto das flores,
o chaveiro vê o bairro ―
e as formas ainda estão intactas,
reluzindo na madeira.
Com cuidado, as mãos
familiares ao frio,
destroem aos poucos a antiga totalidade
e, através das janelas na estrutura livre,
eu posso ouvir num prédio ― um suspiro
uma porta que se abre.
A CASA
A casa antiga, as paredes brancas.
A restinga, a areia branca.
Tinha um quadro na sala,
uma cena, na frente da janela oposta:
o mar estático, uma árvore sozinha
na paisagem aberta. Por que que a vida
às vezes, para viver, se esconde
no lugar mais claro e mais plano?
O quadro era uma janela para a eternidade.
A janela era um quadro para o movimento.
LAMENTO PELO PÁSSARO
Entrou um pássaro no salão
de jogos, mergulhando
na mesa de sinuca.
Atônito, se chocava com força
nas grandes janelas do alto.
Quando veio ao chão, arfando
parecia ilustrar o enigma:
pois queria ― jovem ânsia ―
encarnando grande violência
e voando, entender a assustada
e frágil beleza humana.
O PROFETA
O coração inquieto pergunta
ao rever a cidade concreta:
estão juntas gentileza e paranóia?
Como sirenes de aviso,
responde a bruma:
a gentileza se vende
a paranóia se compra.
IMAGEM Nº5
Desafeto canta, oh pássaro vermelho,
ou que tua leve pena
me afague o rosto sujo.
Nos galhos pálidos de espanto,
uma forma passa no canto do meu olho.
Se a gente olha ― ela se foi.
Eu me lembro quando um touro
veio com a maré
(seu corpo fez-se da espuma).
Seguindo a avenida,
ele sumiu na cidade.
Por que que eu tenho essa vontade:
enfiar um braço na boca do leão,
abrir meu punho no estômago,
sentir o que seria morrer de verdade?
Eu queria me afastar do Imperador
que vaga pelas costas, pelo campo,
perguntando à gente, seus súditos,
o nome dos montes,
o nome das aves,
o nome das serras,
que acaso alguém fez suas.
Essa sensação confusa, certo rubor na pele.
Sozinho, apesar das estrelas ―
falsa ausência de estrelas
Essa sensação violenta: parte dessa riqueza,
eu venho desse mundo belo.
Desse mundo belo: sensação violenta,
que agora, forma sem imagem,
― violinos em repouso ―
me pede para inventá-la.
- David Bernat nasceu em Naviraí (MS) em 1997. é aluno do curso de graduação em Língua Portuguesa-Literaturas da Faculdade de Letras da UFRJ. Poemas extraídos do livro inédito Leveza