REVISTA ESTUÁRIO

Um experimento editorial criado e realizado por alunxs e professorxs da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Delta do Amazonas. Foto: ESA
Foto de Alessandra Yuri. Fonte: Wikimedia Commons

O cotidiano aos pedaços – Beatriz Lima

1- Introdução

Ambientada em sua maior parte num ônibus preso no trânsito pesado da hora do rush num grande centro urbano, a obra Passageiro do fim do dia (2010), de Rubens Figueiredo, é composta principalmente pelas observações, reflexões e recordações de Pedro, um vendedor de livros usados que, após o fim do expediente de trabalho, faz a longa viagem do centro à periferia da cidade — onde vive Rosane, sua namorada. Durante o trajeto, a leitura de um livro sobre a vida e as ideias de Darwin leva Pedro a estabelecer um diálogo entre a teoria darwiniana da seleção natural e o ambiente social onde se encontra, e que observa durante a viagem, fazendo com que ele questione seu próprio lugar nessa sociedade: as desigualdades da vida humana seriam o resultado de uma luta pela sobrevivência, na qual apenas os mais adaptados sobrevivem? A partir da perspectiva do passageiro durante sua habitual viagem de sexta-feira até o bairro periférico do Tirol, a paisagem urbana evidencia seus diferentes aspectos, nos quais prevalece a percepção de diferentes marcas de degradação do espaço público. Em paralelo, o tempo ocioso dentro do ônibus leva Pedro a observar em detalhes seus companheiros de viagem. Descritos em fragmentos, por pedaços de seus corpos que chamam a atenção do protagonista, os passageiros parecem trazer inscritos na própria carne os efeitos da rotina exaustiva do trabalho, da violência e do longo deslocamento diário no transporte público.

Ao fazer desse tempo de espera e contemplação imposto pela lentidão no trânsito um modo de subversão de modelos narrativos convencionais, centrados nas ações de personagens, o autor traz para primeiro plano uma série de pequenas cenas do cotidiano da vida dos trabalhadores, geralmente invisíveis, que são registradas pelo olhar atento de Pedro. Desse modo, adota uma forma de figuração da vida na pobreza na sociedade brasileira que, em vez de momentos dramáticos de violência explícita, dá atenção a uma violência menos óbvia e mais rotineira, resultante da precariedade de serviços e espaços públicos, bem como das condições de trabalho da classe baixa. Neste artigo, procuramos refletir sobre os procedimentos estéticos adotados pelo autor em sua obra, bem como sobre suas implicações políticas. De que maneira seria possível representar literariamente a desigualdade brasileira? E quais as consequências do foco sobre uma dimensão mais rotineira da violência e da pobreza para a maneira como tais fenômenos são compreendidos?

2. A partilha do sensível e a democracia literária

Para Jacques Ranciére, principal referência teórica adotada neste trabalho, a ficção moderna é marcada pela ruptura com os modelos narrativos de caráter aristotélico, pautados em ações que se encadeiam numa ordem temporal linear (começo, meio e fim) e na subordinação das partes ao todo. Essa ruptura teria como uma de suas principais consequências a importância inédita assumida pela descrição e pela representação da vida cotidiana, que, de meros complementos à ação principal, passam a ocupar o primeiro plano em muitos dos livros modernos. A principal inovação das análises de Rancière, porém, diz respeito a sua avaliação dos atravessamentos entre estética e política que estão em jogo nessa transformação. Rancière formula sua leitura em diálogo com, e em contraponto a, uma importante tradição crítica que viu, nessa nova importância assumida pelo cotidiano e pela descrição na ficção moderna, uma forma de legitimação conservadora da sociedade burguesa. É isso que estaria em jogo para críticos de perspectivas tão diversas como Roland Barthes, para quem o “efeito do real” da ficção moderna implicava uma problemática naturalização da história, ou Georg Lukács, que via nessa autonomização da descrição um apagamento do dinamismo e das tensões sociais que seriam uma verdade mais profunda do devir histórico, para além da ocasional placidez do cotidiano burguês. Para Rancière, ambos os críticos se equivocam ao não perceber que o que está em jogo na modernidade literária é, bem mais do que uma inversão da subordinação da descrição à narração, um questionamento da própria oposição entre narração e descrição, assim como de outras oposições a ela associadas, como atividade e passividade, ação e percepção, inteligível e sensível. Se essas oposições entram em questão, diz Rancière, é por estarem associadas a uma antiga divisão hierárquica que contrapunha duas formas de vida: aquela dos homens livres, de um lado; e a dos escravos, trabalhadores e mulheres, de outro. Enquanto a vida dos primeiros transcorria no tempo da ação, aos outros restava apenas o tempo repetitivo do trabalho:

“O poema, segundo Aristóteles, é uma organização de ações. Mas a ação não é simplesmente o ato de fazer algo. É uma categoria organizadora de uma divisão hierárquica do sensível. Segundo essa divisão, há homens ativos, homens que vivem ao nível da totalidade porque são capazes de conceber grandes fins e de tentar realiza-los enfrentando outras vontades e golpes do acaso. E há homens que simplesmente veem as coisas lhes acontecer, uma depois da outra, porque vivem na simples esfera da reprodução da vida cotidiana e porque suas atividades são, pura e simplesmente, meios para assegurar essa reprodução. Estes últimos são chamados de homens passivos ou “mecânicos”, não por não fazerem nada, mas apenas por não fazerem nada além de fazer, sendo excluídos da ordem dos fins que é a da ação. (…) A boa organização aristotélica das ações do poema se baseia nessa divisão inicial entre homens ativos e homens passivos.” (2017, pp. 21-22)

A emergência do cotidiano na ficção moderna estaria ligada, portanto, à tentativa de abrir espaço na literatura para uma forma de vida e de experiência temporal incompatíveis com o antigo modelo aristotélico, dado que este se construía, justamente, a partir da lógica do encadeamento das ações. Lógica narrativa indissoluvelmente ligada, segundo Rancière, a uma ordem social aristocrática. Bem mais do que uma simples inversão da hierarquia clássica entre narração e descrição, estaria em jogo na ficção moderna, para Rancière, o surgimento de um novo modo de organização da criação literária que questionava o próprio sistema de hierarquias poéticas e políticas da tradição aristotélica. É então a própria oposição entre narração e descrição que entra em questão:

“O desdobramento aristocrático da ação é bloqueado pela desordem democrática das imagens. Contudo, no que toca à lógica representativa, o que acontece salda-se bem mais numa dupla perda. Tal como a ação perdeu a sua estrutura anterior enquanto concatenação de causas e efeitos, a imagem perdeu a função de transmitir a qualidade emocional da ação ou de expor paisagens aprazíveis durante as suas pausas. Ação e percepção, narração e imagem transformaram-se numa única fábrica de micro-acontecimentos sensoriais.” (2014, p.11)

Em vez de estar subordinada à narração ou de ser mera demonstração de virtuosismo do autor, ou ainda um mero “enchimento” dos intervalos entre os episódios da ação principal, a descrição na ficção moderna assumiria uma importância inédita por estar ligada à postulação de uma igualdade da experiência humana, o que faz com que aspectos antes negligenciados passem a constituir esse novo tecido da obra literária, abrindo espaço à representação da vida cotidiana de personagens pertencentes à base da pirâmide social.

“A ‘insignificância’ dos pormenores é correlativa à sua perfeita igualdade. Eles são igualmente importantes e igualmente irrelevantes. E são-no, porque têm que ver com pessoas cuja vida é insignificante. Pessoas que se atropelam sem deixarem espaço para a seleção de personagens interessantes e para o desenvolvimento harmonioso do enredo. (…) A base social da poética representativa [era a] partição entre as almas elevadas e as vulgares. Quando esta partição desaparece, a ficção fica a abarrotar de acontecimentos e sensações insignificantes de todas aquelas pessoas comuns, que, das duas uma, ou não eram levadas em conta na lógica representativa ou, se o fossem, eram remetidas para o seu lugar (inferior) e representadas nos gêneros (inferiores) adequados à sua condição.” (2014, pp. 8-9)

Tais considerações orientaram nossa leitura do romance Passageiro do fim do dia, a qual procurou estabelecer um diálogo entre as ideias de Rancière e as estratégias ficcionais adotadas por Rubens Figueiredo em seu romance. Procuramos, em nossa abordagem, pensar não apenas as afinidades da obra do autor brasileiro com os conceitos do filósofo francês, mas também as especificidades das estratégias ficcionais adotadas por Figueiredo, de modo que a leitura do romance nos permitisse levantar novas questões à conceituação proposta por Rancière.

3- O cotidiano aos pedaços

A viagem do Centro ao Tirol tem como característica principal a fragmentação, tanto relacionada à descrição de pequenos detalhes dos corpos dos passageiros como aos pequenos relatos formulados a partir das “associações sensoriais” de Pedro, que ressaltam aspectos cotidianos que foram naturalizados ao ponto de serem invisibilizados. Como menciona Danielle Corpas em Não basta fabricar um sangue comum — ética realista em Passageiro do fim do dia, de Rubens Figueiredo, o romance constrói assim “um mosaico em que sobressai a estranheza de indissociação entre o corriqueiro e o brutal na vida cotidiana” (2018, p. 124) unidas pela dispersão do vendedor de livros usados.

Rancière defende que “o efeito de realidade é um efeito de igualdade”, isto é, sensações que podem ser vivenciadas por qualquer pessoa, como a experiências de inércias, de ócio, de devaneio, e ter relevância para serem contadas. Essas experiências são um aspecto importante da caracterização do personagem principal do livro de Rubens Figueiredo, Pedro — um protagonista que praticamente não age, mas permanece o livro todo como espectador e ouvinte.

É a partir desse tempo ocioso no ônibus que a obra se desenvolve. O livro não se estabelece por meio de uma sequência de ações, mas é conduzido por construções descritivas em detalhes a partir do olhar de Pedro sobre o outro e o ambiente. Isso produz uma distensão temporal, um tempo vagaroso. Esse efeito é reforçado pela ausência de capítulos, que produz um fluxo de leitura sem demarcações claras, mas que proporciona a quem o lê experiência de imobilidade causada pelo trânsito intenso durante o trajeto vivenciado pelo protagonista.

Há um único momento no qual Pedro pensa em agir (sair do ônibus) com a finalidade de chegar ao Tirol, mas não o faz. E é justamente a chegada ao bairro e a incerteza sobre o confronto no local quepermeiam a narrativa como um suspense que ajuda a empurrar o leitor até as últimas páginas em busca de um desfecho esclarecedor que, no entanto, não se concretiza. Como mencionado por Paulo Roberto Tonani do Patrocínio em A cidade narrada através da janela de um ônibus, na obra de Rubens Figueiredo “o solo urbano assume não apenas um papel de palco da narrativa, mas ganha uma funcionalidade mais ampla a tornar-se um elemento necessário para condução do enredo” (2016, p. 82).

Dito isso, destaco o enxergar por meio da fragmentação, que expõe a descrição do cotidiano em pedaços, direcionando o olhar para situações corriqueira a fim de trazer visibilidade aos marginalizados e suas vivências diárias, vista em:

“Pedro sabia que o rapaz de uns vinte anos, de cabelo raspado, com dois dedos da mão paralisados para sempre numa ligeira curva em gancho por causa de algum acidente, ia dormir de cansaço no meio da viagem. A cabeça ia ficar encostada no vidro da janela, ou ia tombar de vez em quando, quase tocando em quem estivesse sentado ao seu lado.” (p.10)

Ou ainda:

“De vez em quando a cabeça sacudia mais forte para voltar ao meio, alinhar-se com a coluna vertebral. Mesmo assim, apesar dos solavancos da cabeça, a mulher não acordava. Era um sono raso, medido — um sono cavado pelo seu cansaço, na primeira oportunidade que teve.” (p. 163)

e também:

“Pela cara, o sujeito que ia descer devia estar esgotado. O braço magro, com ruga de uma cicatriz bem visível entre o cotovelo e o pulso, chegava a tremer, puxado para baixo pelo peso das sacolas. Uma veia inchava no pescoço curtido de sol e, numa linha trêmula, subia até contornar a orelha e sumir por trás do cabelo. (…) Pedro viu um terço do rosto do motorista se mexer: a pele escura com espinhas, a parte branca dos olhos bem destacada, a agitação dos dois círculos pretos, alerta, na tentativa de localizar alguém no aglomerado de gente.” (p.147)

Nas passagens acima, a descrição dos corpos dá-se em gradação ora focalizando, ora ampliando, o que para além do olhar humano, se assemelha ao  enquadramento de uma cena. Para explicar isso, gostaria de fazer uma analogia com a rotina fabril, onde a produção de uma parte não possibilita o conhecimento do todo. A estratégia figurativa do romance parece, aqui, querer emular algo do trabalho alienado na indústria moderna. Nesse sentido, a descrição dos corpos remete à mecanização do olhar que compõe uma percepção habitual destituída de reflexão, o que resulta na naturalização da vida social – como sugeriam Barthes e Lukács em suas análises. No que diz respeito à perspectiva do personagem, não há uma preocupação em entender os motivos dessas marcas da rotina. Pode-se pensar, porém, que o leitor do livro é levado a questionar tal naturalização e a passividade a ela associada. Afinal, as marcas desse cotidiano se imprimem nos corpos de pessoas de classe, cor e localização bem definida.

Ganham importância, a partir dessa perspectiva, os trechos do livro indicativos da formação histórica desse cotidiano que, aos olhos de Pedro, se apresenta naturalizado. Tal indicação se deixa perceber, por exemplo, em certos momentos do diálogo criado na cabeça de Pedro entre as observações da vida urbana e a leitura de um livro sobre Charles Darwin que ele folheia durante a viagem. Num trecho sobre a passagem de Darwin pelo Brasil, Pedro lê (e nós lemos com ele):

“O canto soou agradável demais, Darwin julgou que os escravos eram muito felizes em fazendas como aquela. Afinal, podiam trabalhar para si no sábado e no domingo e, naquele clima abençoado, dois dias de trabalho por semana pareciam ao jovem cientista inglês mais do que suficientes para sustentar um homem e sua família. Ao virar a página, porém, Pedro acompanhou a consternação do viajante ao relatar um episódio presenciado na mesma fazenda: ‘coisas que só acontecem num país onde reina a escravidão’, supôs Darwin. O proprietário das terras, por causa de umas dívidas cobradas na justiça, resolveu separar os escravos homens de suas esposas e filhos para vendê-los em praça pública. (…) Pedro lembrou-se do lugar a que o livro se referia, o lugar onde ficava a tal fazenda silenciosa em que os escravos cantavam de manhã. Era agora uma aglomeração de casas pobres que se derramavam desde a metade de uns morros áridos e quase sem vegetação até as margens de uma estrada de tráfego intenso. Carros, caminhões e ônibus passavam em alta velocidade sobre o asfalto, em duas mãos, em duas pistas separadas por um canteiro de capim seco, enquanto algumas construções precárias se amontoavam até quase a beira do acostamento — casebres às vezes espetados no alto de pequenos barrancos de argila.” (pp. 39-41)

E mais adiante:

“Em um desses movimentos, sua mão passou perto da cara do escravo: perto demais. O homem achou que Darwin estava furioso e queria lhe dar um murro. Encolheu-se, levantou um pouco os braços quase na altura do rosto e olhou-o de lado, tolhido pelo medo. Na certa, tomou a posição em que as pancadas doeriam menos — ele conhecia esses expedientes, era uma lição segura, aprendida bem cedo na vida: se não havia como escapar do chicote, sempre havia um jeito de uma chicotada doer um pouco menos. Pensando bem, essas coisas não podiam deixar de estar claras para qualquer pessoa, assim que visse o escravo ali na balsa. Darwin escreveu que nunca ia esquecer os sentimentos de surpresa, desgosto e vergonha que o assaltaram, quando viu na sua frente o homem apavorado, dominado pela ideia de tentar abrandar um golpe iminente, do qual acreditava ser o alvo. A observação sistemática dos seres vivos em seu ambiente natural pode ter pesado no comentário acrescentado por Darwin em seguida à narração do episódio. Na sua opinião, haviam conduzido o escravo a uma degradação maior do que a do mais insignificante dos animais domésticos.” (p.66)

A associação possível entre o presente desigual e o passado escravista do país passa batida pelo protagonista, porém, que tira de sua leitura da vida e ideias de Darwin apenas uma interpretação no sentido inverso. Quer dizer, uma interpretação que reforça o efeito de naturalização do seu cotidiano:

“Pedro era obrigado a reconhecer que o impulso de partirem todos juntos na mesma direção e o afã de pontualidade, ou pelo menos de constância, não bastavam para fabricar um sangue comum. Aquelas pessoas pertenciam, quem sabe, a um ramo afastado da família. Mais que isso, já deviam constituir uma espécie nova e em evolução: alguns indivíduos resistiram por mais tempo; outros fraquejaram, ficaram para trás.” (p.09)

e também:

“E agora no ônibus, de pé, abraçado à mochila, de novo se equilibrando depois da freada, Pedro pensou nos pequenos parágrafos retirados dos relatos do Darwin sobre suas andanças nas florestas, suas observações de bichos e plantas, os predadores e as presas. O que ele queria dizer? Se uns sobreviviam e outros não, era porque alguns eram superiores?” (p. 195)

Dessa maneira, ao mesmo tempo em que o livro mostra uma rotina de precariedade à qual os passageiros são expostos, também mostra a perspectiva de um protagonista que observa tudo, mas não parece enxergar de fato o sofrimento do outro, já que justifica essa precariedade por uma lógica darwinista de sobrevivência do mais forte. E ignora a conexão dessa situação com a história da escravidão que é mencionada no livro.

4- Conclusão

Existe portanto uma diferença importante entre a inércia de Pedroe aquela de alguns dospersonagens comentados por Rancière. Para o filósofo, por exemplo, o ócio de Julien Sorel na cadeia, na parte final de “O vermelho e o negro”, o leva descobrir uma igualdade sensível entre os seres humanos, para além das desigualdades sociais entre eles. Para Rancière, nesse ócio plebeu experimentado por Sorel e por outros personagens da ficção da época seria possível reconhecer “a perturbação da distribuição dos tempos sociais que tornou a literatura possível”, subvertendo a antiga oposição entre “o domínio da ação aristocrática” e o “domínio da fabricação plebeia” (2014, p. 18).  O surgimento do realismo moderno estaria, assim, ligado “a operações de desidentificação que desfazem as relações ‘normais’ entre identidades e capacidades”, operações associadas a personagens proletários que ousam “colocar em ação capacidades e viver formas de vida que não correspondem a sua identidade” (2017, p. 32).

Ao revés dessas operações de “desidentificação”, Pedro parece, em seu tempo ocioso no ônibus, legitimar a desigualdade social por meio de analogias com as teorias darwinistas que lê em seu livro. E procura, por meio de tais analogias, antes reforçar a própria identidade, como alguém que estaria um pouco acima na escala social de seus companheiros de viagem.

Logo, a ruptura com modelos narrativos convencionais tem um sentido bastante ambíguo no romance de Rubens Figueiredo. Ao mesmo tempo que possibilita um detalhamento minucioso dos aspectos cotidianos da desigualdade social, também estabelece a passividade do personagem frente a eles. Apenas ao leitor será indicada a constituição histórica desse cotidiano que, aos olhos de Pedro, se apresenta naturalizado em sua violência e desigualdade.

  • Beatriz Lima é aluna do curso de licenciatura em português-espanhol da faculdade de letras da ufrj. Este artigo foi apresentado originalmente como uma comunicação na XII Semana de integração acadêmica da UFRJ.

Referências Bibliográficas:

CORPAS, Danielle. “Não basta fabricar um sangue comum — ética realista em Passageiro do fim do dia, de Rubens Figueiredo”. Criação & Crítica, n. 21, p. 115-126, nov. 2018.

FIGUEIREDO, Rubens. Passageiro do fim do dia. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

MORETTI, Franco. “O século sério”. Novos Estudos, p. 3-33, 2003. Tradução de Alípio Correa e Sandra Correa.

PATROCÍNIO, Paulo Roberto Tonani do. Cidade de Lobos: a representação de territórios marginais na obra de Rubens Figueiredo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016.

RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Editora 34, 2005 [2000]. Tradução de Mônica Costa Netto.

___________________. A política da ficção. Lisboa: KKYM, 2014. Tradução de J.P. Cachopo.

___________________. O fio perdido: ensaios sobre a ficção moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2017. Tradução de Marcelo Mori.